quarta-feira, 8 de julho de 2009

O príncipe das marés


Um bom livro não tem idade, não perde a validade, o brilho, o sabor.
Achei estes dias o romance que deu origem ao filme O príncipe das marés, me apaixonei na primeira página:



Meu fraco é a geografia. Ela é também meu refúgio, meu porto de escala.
Cresci vagarosamente, junto às marés e aos pântanos de Colleton; meus braços eram bronzeados e fortes por causa do trabalho no barco de pesca de camarões sob o intenso calor da Carolina do Sul. Por ser um Wingo, comecei a trabalhar assim que aprendi a andar; aos 5 anos conseguia apanhar siris com perfeição. Aos 7, já havia matado meu primeiro veado e, aos 9, punha regularmente comida na mesa da minha família.

Nasci e fui criado em uma ilha da costa da Carolina do Sul e trago o sol da região, com seus tons de ouro escuro, em minhas costas e ombros. Passei dias felizes da minha infância nos canais, navegando um barquinho entre os bancos de areia e sua multidão silenciosa de ostras expostas, na superfície marrom durante a maré baixa. Conhecia pelo nome todos os pescadores de camarão e eles também me conheciam e tocavam suas buzinas quando passavam por mim no rio.

...Foi minha mãe quem me ensinou a mentalidade sulista em suas formas mais delicadas e íntimas. Acreditava nos sonhos das flores e dos animais. Quando éramos pequenos, antes de ir para a cama à noite, ela nos revelava, com sua voz de contar histórias, que os salmões sonhavam com desfiladeiros nas montanhas e com o rosto marrom dos ursos pardos pairando sobre a correnteza límpida. As cobras, dizia ela, sonhavam enterrar seus dentes na canela dos caçadores. As águias-pescadoras tinham sonhos com longos mergulhos em câmara lenta sobre os arenques. Havia as asas cruéis das corujas nos pesadelos dos arminhos, a aproximação dos lobos cinzentos a favor do vento no silêncio da noite do alce.

Nunca soubemos, no entanto, quais eram seus sonhos, porque minha mãe nos mantinha na ignorância de sua própria vida interior. Sabíamos que as abelhas sonham com rosas, que as rosas sonham com mãos pálidas de floristas e que as aranhas sonham com mariposas presas em suas teias prateadas. Como seus filhos éramos os administradores de seus deslumbrantes voos da imaginação, mas não sabíamos o que sonham as mães.

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